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terça-feira, setembro 01, 2009
... A mulher disse não serve meu bem, não fecha o zíper. De costas, não reparei na expressão refletida no espelho, ocupada em encolher ainda mais a barriga. Ai moça, amei esse verdinho, a costureira deve dar um jeito, elas sempre dão um jeitinho. Prove os outros, ela insistiu entre seca e apressada, esse não tem como. É o tecido. Se mexer fica marcado, cetim. Ainda por cima é primeiro aluguel, experimenta outro. Não quero – acho que fiz bico. Já não tenho mais idade para bicos, mas quando olhei no espelho ele já havia se instalado, que remédio? Não quero provar os outros, quando eu gosto de um já viu, não tem Cristo que convença, tentei desfazer a má impressão (talvez) causada pelo bico involuntário. Pela primeira vez fixei os olhos na mulher. Devia ter uns cinquenta anos, pele morena sem viço, cabelos idem, nas unhas o esmalte descascando, roliça e mais baixa do que eu (o que não era bom sinal). O olhar sem expectativas, oblíquo. Nunca fui ajudada por alguém com um olhar assim. Pior, tinha começado tudo errado. A mulher notou desde o primeiro instante que eu queria muito, muito mesmo, o verdinho, e eu ali, quase implorandinho, só ela poderia me salvar, mas naquele momento eu que me tornara sua redenção. Não dá, ela repetia tentando disfarçar a satisfação em negar o meu maior e mais atual desejo. Essa maldita mania de falar tudo no diminutivo e ainda fazer biquinho bico com mulher, contando tudo tudinho logo de cara. Já era tarde, mas sempre há tempo aos obstinados. O proprietário, ele está? A mulher recuou. Sim. Vou conversar com ele então, de repente pode ajudar, posso propor a compra em vez de aluguel, daí pode dar uma mexidinha – claro, diminutivos e biquinhos sempre funcionam melhor com eles. A mulher fazia cara de sonsa, mas aos cinquenta, até (ou principalmente) as sonsas conhecem certos truques manjadíssimos, razão pela qual enquanto eu me fechava no provador para tirar o objeto verde-oliva do meu desejo, ela se adiantava ao proprietário sabe-se-lá sob que discurso e voltava com a notícia. É, não dá mesmo. Mas eu queria falar com ele (euzinha) sobre comprar o vestido. Também não dá. Mas a senhora falou? Sim, pra sábado não dá, tem os ajustes... Então vou falar direto com a costureira, se eu pedir, chorar e disser que até fiquei doente pelo verdinho, ela me encaixa até sábado, a senhora não acha? Eu já sabia a resposta, Não dá estava costurado na língua da mulher. Ela variou a negativa. Impossível, tem o corpo de baile pra sexta! Ela ainda não havia me vencido. A sala da costureira? Em outra loja. Nunca fui ajudada por alguém com um olhar assim. Okay você levou!, quase gritei para a mulher oblíqua, mas as regras sociais que mamãe ensinou fez com que eu apenas agradecesse com um sorriso esquisito e saísse logo dali. O verdinho tão perto e inacessível, esses amores são fatais, conheci muitos casos que agora não vem ao caso. Na saída, o proprietário dedicado me abordou sorridente. E aí, deu certo? Eu que já saia vencida, despida de todo o destrambelhamento inicial, enxerguei mais uma possibilidade e nela me agarrei com força. Retribuiria o sorriso do velho com quantos diminutivos lhe coubessem. Olha, o senhor tem cada vestido lindo aqui, eu amei o verdinho, queria tanto... Mas por pouco pouquinho o zíper não fechou, o senhor dá uma ajudazinha?... É que é pra sábado, sabe? Touché touchézinho!... Doraaaaa, a moça aqui gostou do verdinho, você dá um jeitinho pra sábado? Então ela se chamava Dora. Dora, a mulher que com o polegar nervoso raspava um resto de esmalte no indicador da outra mão. Dora, era ela a própria costureira, que mentia que a costureira ficava na outra loja. O corpo de Dora recuava, mas a boca resignada dizia sim patrão, e num sincronismo inesperado – Dora, a cara de sonsa - junto com a boca lançou-me pela primeira vez um olhar direto, em que pude ler cada letra até então disfarçada no oblíquo: sua vadiazinha dos diminutivos! Tinha até ponto de exclamação na frase estampada nos olhos de Dora.
posted by Dedê Ranieri @ 5:51 PM
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