Nossa diferença de idade não ultrapassa vinte e seis anos, mas ainda assim minha família anda preocupada.
Não é preconceito em virtude da idade ou animosidade religiosa, e sim porque toda vez que ele vem à minha casa quebra alguma coisa.
Da última quebrou algumas lâmpadas da garagem. Com apenas dois chutes na bola.
A mãe dele pediu desculpas à minha, que por sua vez mandou o esperado "Magina, não foi nada ...".
E eu só conseguia repetir:
"Deixa o Khalilzinho treinar, ele é tão fofo!"
Depois, numa festa de aniversário em casa, uma gang de crianças presentes pediu que eu contasse uma história de terror. No meio da encenação, bem na hora em que aparecia a original e temida mulher de branco, Khalilzinho abre o maior berreiro e corre para o colo de sua mãe.
A sessão foi suspensa, não pude terminar a minha obra. Os inconformados expectadores mirins gritavam pela continuação do teatro, enquanto acusavam o arabezinho de chorão.
Eu tentava acalmar o público, ao mesmo tempo em que consolava o pequeno:
"Deixa o Khalilzinho chorar, ele é tão sensível!"
Mas a última foi para arrebentar de vez meu coração.
Ontem Khalilzinho acordou gritando, chamou pela mãe e disse ter tido um sonho muito muito horrível. A mãe perguntou que sonho era esse que deixou o menino tão desesperado.
Responde o arabezinho: "Não sei, eu tava dormindo ...".
Ai, o Khalilzinho não é um lindo?
posted by Dedê Ranieri @ 1:19 AM
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No coffee-break.
O puxador de assunto, sem assunto.
No coffee-break.
O anti-social, servindo-se da lei do mínimo esforço.
- Cara, que tesão esta cidade. Como faz pra morar aqui?
- Sei lá, eu não moro aqui!
posted by Dedê Ranieri @ 1:09 AM
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quinta-feira, setembro 13, 2007
Decifra-me ou devoro-te (por Simone K. Oliveira)
A primeira vez que devorei Luciano fazia uma tarde de sol. De repente caiu uma chuva grossa, dessas que doem na pele e não vimos o arco-íris porque a cortina da janela da sala estava fechada. Naquela época Luciano era só um menino franzino mas carregava na pélvis uma força motriz que me deixava os músculos doloridos e a virilha dormente. Muito tempo se passou desde a tarde do arco-íris e a noite em que ele viu passar um cometa no céu da minha boca. Nessa época eu morava em Belo Horizonte, trabalhava numa livraria e alimentava o sonho de ter a minha própria casa de chá-livraria-e-locadora. Eu estava agachada, atendendo um rapaz argentino quando senti que a loja estava tomada de um cheiro quente e levemente adocicado. Fechei os olhos e levantei-me suavemente, sem saber ao certo se queria ou não vê-lo do outro lado do balcão. Um par de olhos verdes, ancorados em grossas sobrancelhas e protegidos por lentes de resina provocou um buraco negro no meu peito e todo meu ar faltou. Meu corpo encolheu e meu esqueleto delgado era a única coisa concreta na qual eu podia me apoiar. O mundo todo se dissolveu, exceto o homem a minha frente e o volume 4 das obras completas do Borges que estava na minha mão. O rapaz argentino sussurrou palavras incompreensíveis e girou nos calcanhares em direção à porta que segundos depois fechou-se num estrondo. Nesse instante o telefone tocou e o homem de olhos verdes começou a esvaecer até que sumiu, por inteiro, enquanto eu repetia numa espécie de dialeto, o nome da loja para alguém do outro lado da linha. Quando abri os olhos, Luciano era um único e largo sorriso. Nunca sabia ao certo o que se passava comigo durante os intermináveis segundos que ficávamos nos olhando, sem dizer uma única palavra. Somente depois que ele sorria, eu me lembrava que era eu e não ele, a esfinge. E retomava o controle da situação. Ele estava ali para me convidar para um café e como eu sabia que ele adorava croissants, deixei a mesa posta quando saí de casa e foi depois que ele comeu o último pedaço que eu comecei a devorá-lo de novo. Meu menino era fotógrafo e tinha os olhos mais sensíveis que eu já conheci. Foi por isso que ele viu o cometa, mesmo comigo tentando escondê-lo com miolo de pão e leite desnatado. Mais tarde ele me diria que seria lindo se eu tivesse deixado que ele visse também a Pampulha que refletia na minha língua. Cada vez que dormíamos juntos um leve tremor percorria a casa, a rua, o bairro e um perfume seco, de madeira, penetrava nos narinas de BH. Luciano abria meus braços e pernas e se enroscava em meu corpo como uma planta rasteira e nós podíamos permanecer assim durante horas a fio. E eu permitia tudo. Nunca lhe neguei um único suspiro ou uma gota de suor. Cada fibra do meu corpo pertencia aos seus desejos. Pelo menos, até o momento em que eu sentia fome. Porque daí em diante, era eu quem controlava a situação. Cada vez que eu o devorava, escolhia uma parte do seu corpo. Quando ele saiu do meu apartamento, estava sem a outra orelha. Ele havia deixado seu cabelo crescer para disfarçar a falta da primeira. Eu fiquei com pena e não quis retirar uma parte do corpo que lhe causasse algum transtorno. Por isso escolhi a orelha irmã. Vivemos assim durante meses. Ele entrava na loja e eu sentia seu cheiro de incenso. Os clientes saíam e nós em seguida. Íamos a algum lugar para comer e mais tarde eu o devorava no meu apartamento. Depois que sorvi-lhe as pernas ele morou duas semanas comigo. Nunca tive coragem de devorar seus olhos. Meu menino tinha os olhos mais sensíveis que já conheci. Guardei-os em globos de vidro e fiz dois pesos de papel. E quando sinto saudades dele, abro a boca e deixo que os glóbulos verdes viagem seguros no cometa que passa no céu da minha boca.
posted by Dedê Ranieri @ 12:38 AM
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