O Polvilho Às vesperas de completar quinze anos, ela foi levada pela irmã mais velha para passar uma temporada na praia. A vontade de ganhar aquele bronzeado sob o sol de 40 graus, resultou numa ensolação que antecipou sua volta para casa. Diante da pele vermelha, por onde passava os comentários não variavam, "Nossa, que pimentão!", "Ai, deve estar ardendo muito!", e na seqüência vinha toda sorte de aconselhamento para curar o excesso de sol, da medicina tradicional ao curandeirismo, que ela fingia anotar de cabeça. Foi quando o falecido Roberto Leme, um homem que considerava muito culto e seguro de si, a encontrou na rua, e comovido pelo que um dia poderia ter sido um bronzeado, sugeriu um antídoto do tipo "tiro e queda". Muito atencioso, explicou a ela que besuntando o corpo com polvilho, no dia seguinte já não sentiria mais nada. Foi a única dica que ela guardou de verdade, e correu ao supermercado para comprar o bálsamo para sua pele. Dirigiu-se à gôndola indicada, pegou dois pacotes do produto, e excepcionalmente foi direto ao caixa. Na fila, não conseguiu escapar daquilo que já lhe parecia um mantra, "Nossa, que pimentão!", "Deve estar ardendo muito!", entoado pelo rechonchudo dono do supermercado. Para não prolongar o assunto e evitar a tríplice "foi pra praia?/tava sol?/não passou protetor solar?", foi logo adiantando "Amanhã vou estar melhor", e exibindo os pacotes completou "Por isso vim buscar polvilho. É só passar na pele depois do banho, e acordar novinha em folha!". A essas alturas o comerciante a examinava desconfiado. "Biscoito de polvilho, mas que raio de receita é essa?". Ela repetiu a dica salvadora de Roberto Leme, enquanto o gorducho segurava um riso no canto da boca. "Menina, não seria polvilho em pó, daqueles para fazer pão de queijo?". Por uma fração de segundos tudo pareceu se encaixar, e ela sentiu que só não ficava mais vermelha porque seu rosto já estava na máxima tonalidade. Bem que tinha pensado em como seria dolorido esfregar no corpo aquele farelo de biscoito, mas era a única forma de polvilho que conhecia. Contudo, não podia sucumbir diante daquele homem que estava na eminência de espalhar para todo o bairro que ela, com seus quase quinze anos, não sabia o que era polvilho. Foi então que pensou numa estratégia para disfarçar o desconhecimento do pó branco, e inventou que a receita era aquela mesmo, só tinha esquecido do hidratante. Isso, a receita infalível era bater no liqüidificador o biscoito com creme hidratante, e antes que o seu carrasco levantasse mais alguma questão sobre assunto, correu para o corredor de cosméticos.
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