Advocacia, Copacabana e outras milongas
Dizem que o universo conspira em favor dos bons pensamentos. Mesmo que não dissessem nada, eu teria a mais absoluta e original certeza de que conspira sim, sempre. Pode-se dizer que ela nunca deu muita importância para o que dizem, e muito menos para teorias de conspiração do gênero, mas fato é que tudo começou a mudar depois daquela viagem para o Rio de Janeiro. Ela foi convocada às pressas para uma audiência em solo fluminense. Não era comum receber atribuições em outros Estados, talvez em virtude de ela ser uma pessoa bastante reservada, dedicada à filha adolescente quase em tempo integral, ou quem sabe não demonstrasse aquela agressividade necessária para disputar e levar o bilhete aéreo, fosse para aonde fosse. Fato é que em meados de janeiro o momento era mais do que propício. Ela acabara de voltar das férias em Santa Catarina, a pele queimada de sol já trazia um prenúncio de grandes mudanças. A filha ainda viajava aos cuidados de um parente, o que tornou de certa forma confortável a viagem de última hora. Superada a fase reserva de hotel/passagens aéreas/recomendações das amigas de escritório, ela embarcou rumo à cidade maravilhosa. Hospedou-se em Copacabana, e sentiu, como há muito não sentia, um prazer indescritível em dividir consigo própria o confortável quarto de hotel. Por um instante pensou que decepcionaria as colegas de trabalho, que não deixavam de sugerir, maliciosamente, que aproveitasse aquele tempo livre para dar uma nova chance ao amor, o que invariavelmente implicaria na divisão de travesseiros. Mas a idéia se diluiu como uma nuvem bem branca no céu azul do Rio de Janeiro, e ela voltou a desfrutar de sua boa companhia. Tomou o banho demoradamente, usou aquele creme guardado para as ocasiões especiais, e penteou os cabelos como se não tivesse pressa. Não tinha pressa. Vestiu uma roupa confortável e caminhou pela orla marítima de Copacabana, como se visse o mar pela primeira vez. Dizem que a Bahia é a terra de todos os santos, mas naquele dia ela poderia jurar que o Rio de Janeiro era não só dos santos, mas de todos os orixás. E foi com essa sensação que cumpriu a tarefa – que nem mais parecia trabalho, e viu a noite passar por Copacabana. De volta à São Paulo, as amigas poderiam jurar ter visto um brilho ainda mais diferente, mas sem saber o quê, calaram. Era mais do que o reforço no bronzeado, as unhas feitas, ou a hidratação nos cabelos. Era uma espécie de primeiro amor por si mesma, daquele tipo incondicional. Quase uma semana depois, elas tiveram a certeza de que aquilo era amor verdadeiro, e já não mais cabia naquele microcosmo – pequeno escritório, pequeno coração. O brilho já ia longe, e ela só se deu conta quando recebeu de presente de um colega da advocacia, timidamente e fora de qualquer contexto comemorativo, uma caneta mont blanc ... para reescrever sua história. |