Nome: Dedê Ranieri
Lugar: São Bernardo, São Paulo, Brazil

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  • terça-feira, julho 08, 2008

    Hay que endurecer

    Tarcísio escolheu o quarto e pendurou a moldura na parede ao lado da porta de entrada.

    Era uma imagem de Che Guevara, aquela clássica com a boina e a célebre frase riscando a foto: Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás.

    Ela tinha que admitir, ele tinha método. Eram amantes desde 1991, e por mais que Tarcísio mudasse o local dos encontros, lá se ia o quadro do guerrilheiro atrás, como se fora parte inseparável dele.

    Lúcia não aguentava mais olhar para aquela imagem. Não pela presença constante do contemplativo Che nos seus momentos de intimidade, mas por ter para si que aquilo não possuía significado algum para Tarcísio.

    Nunca fora revolucionário. Ao contrário. Passivo lhe cairia muito bem de sobrenome. Tampouco fazia o tipo burguês que se orgulha em abraçar alguma causa social, a fim de eximir-se da velha culpa cristã.

    Não eram poucas as vezes em que Lúcia perdia a vontade de cumprir suas obrigações extra-matrimoniais com Tarcísio. Era abrir os olhos e deparar com o guerrilheiro La Serna à sua frente, a boina esgarçada, a frase já batida pelo uso popular, que perdia toda a concentração indispensável para o momento.

    Não pensava dessas coisas que dizem pensar as mulheres quando perdem a vontade em seu homem - pintura descascando no teto, por exemplo. Pensava assuntos que a faziam não apenas desviar a atenção do ato, como sentir raiva. De si própria. De Tarcísio. E principalmente do velho comunista na parede. Aonde ele estaria caso vivesse hoje? Que cargo ocuparia em algum governo? Teria seu nome envolvido em escândalos? Desfrutaria de honrarias concedidas, indistintamente, a idealistas e arruaceiros? Defenderia os atos de violência de guerrilhas armadas revolucionárias? Por certo...

    Tudo isso Lúcia se perguntava enquanto suportava o peso de Tarcísio naquele ritmo cada vez mais frenético. Ao contrário do que reclamavam as amigas, que com o tempo o homem perde o interesse, com Tarcísio ocorria o inverso. Há anos parecia ter adquirido o vigor de um garoto recém chegado à puberdade.

    Já admitira a si própria que não aguentava mais aquela situação. Ensaiava a forma de dizer isso a ele. Na hora H desistia e cedia ao seu desejo que só aumentava a cada dia. Estaria sua esposa desconfiada e se negando a cumprir as funções do matrimônio? Alguma razão teria para Tarcísio vir cada vez mais sedento de amor.

    No começo se divertia, agora não suportava a idéia de ter que se submeter àquele homem que queria aproveitar cada minuto do tempo que tinham juntos de maneira tão mecânica, sob o olhar malicioso de um comuna que só não se deixara corromper porque morreu antes de reconhecer que os ideais sucumbem, invariavelmente, diante de uma boa proposta.

    Depois imaginava o que seria de Tarcísio sem ela. O costume dos anos. Ele à mercê da esposa sempre doente, torcendo o nariz para algum carinho mais íntimo. Dos filhos que nem ligavam mais para ele. Preferia que viesse vê-la apenas para conversar, abrir um bom vinho na sacada, falar sobre filmes. Mas não conseguia dizer.

    Foi então que um dia chegou antes ao quarto da pensão, decidida.

    Contaria que sua presença ali nos últimos anos tornara-se mais um hábito que um desejo de aventura, como no passado. Procurou na gaveta papel e caneta para organizar as idéias do discurso. Seria objetivo, racional. Não queria uma cena de novela mexicana.

    Ao remexer a gaveta encontrou o que não procurava. Corou as bochechas, o coração quase explodindo. Repassou mentalmente, em segundos, os últimos anos. A freqüência maior com que ele vinha visitá-la. Os encontros que se limitavam ao quarto, há quanto tempo, meu Deus? Lúcia mudou os planos.

    Sacou da bolsa um batom vermelho e na ponta dos pés alcançou o retrato do velho companheiro de aventuras amorosas. Ninguém melhor do que ele para transmitir o recado a Tarcísio, pensou, aproveitando para sobrescrever na célebre frase, que enfim ganhara alguma utilidade: Hay que endurecer, pero sin tomar essas malditas pílulas azuis!

    Era o motivo que precisava. Bateu a porta aliviada e partiu.

    posted by Dedê Ranieri @ 3:09 PM |


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