Não sei em que maldito manual eu tinha lido aquilo, mas apliquei naquela noite. Aquela noite em que ele, mais velho e todo seguro de si, me convenceu a sair pra jantar. Não exatamente um jantar, já que decidi aceitar o convite lá pelas dez e meia de uma quinta-feira. Então ficou acertado que não era jantar. Era balada. Em alguma esquina da Juscelino ou Faria Lima, um lugar chamado Miscelânea ou algo assim, demolido faz uns bons anos. Mas não era uma balada pra dois. Só me contou na hora. Era aniversário de uma amiga dele, com pinta de ex-casinho, ou casinho atual. Acho que casinho atual da época, e ele querendo fazer ciúmes, já que a casinho tinha um marido. Ausente, mas marido e presente na festa. Piloto comercial de avião atarefadíssimo, mas marido. E eu ali toda coadjuvante, acompanhando olhares. Ele, ela, o marido. Eu fingindo distraída, cara de sonsa, deixando ele puxar pela mão e me girar na pista pra parecer mais alegria que ciúmes. You're just too good to be true Can't take my eyes of you. Mas o papo caiu bem, e meu personagem marginal foi ganhando espaço. Sorrisinho pra lá, pra cá. Oi casinho, oi marido, tô nem aí pra vocês, quero mais é dançar na pista, vocês são todos loucos mas a festa tá boa. Quando crescer quero ser igual a vocês. You'd be like a heaven to touch I wanna hold you so much. Legal sua amiga, dizia a casinho, dizia o marido. E ele tentando traçar uma curta biografia da minha pessoa, under trocentos mil decibéis: minha nova estagiária. Mentira. Estagiária do amigo-antigo-sócio, deixa pra lá. At long last love has a right And i think God i'm alive. Então é o seu batismo, cuidado com ele, dizia a casinho, dizia o marido, duelando com a música, caixa de som colada no ouvido. Então um brinde à nova aquisição, nova estagiária, quer dizer ..., sorria a casinho, sorria o marido. Sorríamos todos, voltando pra mesa. Uma bebida, garçon s'il vous plaît. Ele perguntou o que eu queria beber, eu disse coca-cola, que acordava cedo pra aula no outro dia. Mas naquela noite foi instituída uma espécie de lei-seca às avessas, legislação específica pra nossa mesa. Daí foi que eu me vi no meio daquela gente tão adulta. Ele advogado pós-graduando em qualquer coisa desportiva, a casinho arquiteta no Rui Ohtake, o marido piloto de uma empresa aérea hoje falida, e mais uma pequena multidão de gente grande. Festa estranha com gente esquisita, qual seria minha birita? Um gim-tônica, por favor! Gim-tônica?!! Torci pra que não perguntassem porquê. Nunca tinha experimentado, que ao menos fosse docinho. Fiquei sem graça, não era pra causar espanto. Era pra parecer adulto. Afinal, o que adultos malucos como vocês bebem? Uma cerveja, uma vodka, um energético, tudo na mesma comanda, please. Em que maldito manual eu tinha lido que gim-tônica era bebida de adulto? Fiquei pra lá de Bagdá na primeira dose. Sim, porque vieram outras. Quando crescer eu quero ser igual a vocês, ic. Afinal, eu não era a estagiária que amava gim-tônica? Vê mais uma garçon! E tome gim-tônica. E tome festa esquisita e gente estranha. Mais gim que tônica. Mais uma dose é claro que eu tô afim a noite nunca tem fim. Por que eu não bebo cerveja como todo mundo? Porque eu li em algum maldito manual que ... (You're just too good to be true) A RAINHA-MÃE ELISABETH AMA GIM-TÔNICA ELA JÁ TEM QUASE CEM ANOS TAÍ O SEGREDO DA LONGEVIDADE ELA É SUPER POPULAR ENTRE OS BRITÂNICOS ELA É DA NOBREZA MAS QUE BELEZA, PORQUE, PORQUE, PORQUE. Porque é cool, ora bolas! Porque eu leio manuais. Porque eu quero ser que nem vocês, ué! Em qual maldito manual eu tinha lido isso mesmo? Acordei na porta de casa, before sunrise. Ele mexendo no meu cabelo, sussurrando no ouvido: acorda estagiária, bebeu ontem que nem gente grande. Que nem gente grande, eu?! Tinha me esforçado tanto pelo reconhecimento, e de repente era só o começo de uma estranha descoberta: será que gente grande é sempre assim tão idiota?
posted by Dedê Ranieri @ 12:06 PM
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