quarta-feira, março 21, 2007
(Quase) Tudo sobre minha irmã
Pra quem não sabe, além de dançarina, poeta, tocadora de violão, roteirista de filmes proibidos para menores, sushiwoman, enxadrista, agente literária, psicanalista, pianista, banqueira e poliglota, sempre nutri um desejo secreto de ser cantora. Daí que terça-feira passada comecei uma oficina de canto intitulada “Canto - A Voz da Canção Brasileira”, oferecida pela Secretaria de Cultura de Bernô City (que aliás, está oferecendo um curso melhor do que o outro este ano!).
As aulas começaram e coisa e tal, dinâmica pra cá dinâmica pra lá, dupla pra massagear as cordas vocais em sistema de revezamento, massagem na cabeça do outro, orelha do outro, pé do outro, e daí que uma hora ou outra isso ia acabar acontecendo ... os professores fatalmente iam mexer na memória musical da gente.
Mandaram escolher uma música que tivesse marcado a infância ou uma época (que poderia ser até recente) pra levar na próxima aula, mas não uma música qualquer, e sim aquela que tocasse “na alma”.
Claro que na hora lembrei dos meus ídolos dos anos 80, Menudo, Trem da Alegria, Balão Mágico, Ultraje a Rigor, RPM e tais, mas no meio dessa turma toda insistia em aparecer a figura espaçosa do Tim Maia.
Ele não era meu contemporâneo, pelo menos não como a turma do Balão Mágico ou o Polegar, então tentei lembrar como foi que o gordão invadiu a minha alma sem que eu percebesse, e me lembrei que foi culpa dela, minha irmã mais velha. Ela tinha um namorado, por quem era louca de viver, o que, aliás, eu não entendia muito bem, já que naquela idade meu único critério de avaliação era a beleza, e pra mim ele tinha uma beiçola bizarra que ocultava todo o resto dele, mas enfim, minha irmã era louca pelo cara e tal, namoraram vários anos, até que numa determinada época terminaram, e ela ficou na maior deprê.
Apagava a luz da sala e colocava um disco (!) do Tim Maia, que àquelas alturas já devia estar quase furado na faixa "Paixão antiga sempre mexe com a gente, é tão difícil esquecer ...". Eu, que na época tinha uns sete anos, ficava espionando e achava lindo a minha irmã sofrendo no escuro, deitada no sofá, com aquela voz de trovão ao fundo, e pensava que quando crescesse queria ter um namorado - mais bonito que o dela, é claro - e ficar ouvindo música no escuro, com aquela expressão tão ... lindamente adulta!
Quando desconfiava que ela estava chorando, eu fingia que tinha acabado de chegar e acendia a luz de repente, e ela dava uns berros escondendo o rosto "apaga essa luz, tô com dor de cabeça ...", e eu apagava, claro, já satisfeita e com a certeza de que eram lágrimas de verdade, fresquinhas. Sala escura, Tim Maia e lágrimas, esse era o clímax. Às vezes eu esperava todo mundo sair pra apagar a luz da sala, colocar o disco, e deitar no sofá igual a ela - não sei exatamente porquê, mas às vezes colocava uns óculos escuros espelhados que eu amava (na época era moda, ok?), acho que já era uma precursora das raves, sei lá.
Claro que tudo que a gente faz nessa vida tem sua volta, e até aqueles desejos mais bobinhos de criança caem na boca do Universo, e um belo dia ... conheci um maldito com o mesmo nome do beiçola (!), que aprontou tanto ou mais que o beiçola, e me deixou tão ou mais triste que nem o beiçola fez com a minha irmã.
Claro que não achei a menor graça em ficar triste, e por precaução instalei sensores na sala de casa, daqueles que acendem a luz quando você passa, e quebrei todos os discos do Tim Maia.
...
Pelo jeito esse curso vai fazer com que eu economize uma grana no analista. Agora além de falar eu vou cantar ... Vão ter que me aturar!
Essas coisas de tocar na alma dá nisso.
posted by Dedê Ranieri @ 12:56 AM
|
|
|